quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Crônicas da Minha Vida Como um Crente



Primeira Parte: Povo chorão


Às vezes me surpreendo, quando me encontro chorando de joelho num banco de igreja. Eu pensava que homem não chorava, mas o que me desconserta é o porquê do choro... Eu, libertário, músico de uma banda underground relativamente bem sucedida, professor no Ensino Médio e Fundamental Maior há a mais de dez anos, pai, pedagogo, pesquisador e agora recém teólogo... Sim, de joelhos no chão com o rosto no banco, a bíblia aberta e com lágrimas e soluções que me infantilizam.

Então ali, diante de Jesus Cristo Intangível, eu sou posto a ficar e a estar, em toda a minha totalidade, de igual para igual com irmãos e irmãs não formados em nenhuma área do saber; que passam uma fome tremenda; alguns que só tem uma roupa para ir ao culto da igreja; outros sem dois ou três dentes e um mau hálito daqueles; muito que nem jantam nem tomam café da manhã; ainda outros que nem sabem ler e mesmo falando um português que deixa muito a desejar, sabem de coração muitos versículos da Bíblia e os recitam de cor, e ao falar-me tais versículos, tanto me convencem em minha fé, me repreendem com uma ternura de pai e de mãe, como também me confortam com seus exemplos de esperança perseverança inabaláveis. Tenho estremecido em minhas convicções mais enraizadas, diante da grande inocência que verte da fé desse povo humilde, e essa inocência e essa fé, que aprendi a pensar como coisas frágeis e infantis, são formas forma inexoráveis de Poder.


Vejo na igreja semblantes tristes de mulheres abandonadas pelos esposos não-crentes. Muitas delas foram à igreja em busca de esperança para enfrentar o desamparo; mais tarde conheço, por outrem, conheço os motivos da separação:
- ele me deixou por que estou muito gorda e tenho estrias;
- meu ex-esposo desempregado quando estava aqui, foi pra São Paulo. Arranjou outra por lá e não manda nem notícia nem pensão dos dois filhos pequenos. Vivo de ajuda dos irmãos...
- chegava bêbado e me batia... Deixei quando o meu bebê passou a ficar em pânico quando viu o molho de tomate melar a cerâmica do chão de vermelho...

Vejo na igreja semblantes tristes de mães que perderam algum filho ou estão aparentemente perdendo-os para as droga, para a criminalidade ou para a prostituição – o interessante é que, de muita insistência e adulação das mães, um ou outro filho vem à igreja assistir um culto, então entram na igreja tímidos, mas sem compromisso e no fundo convicto de que o culto é tolo, é “coisa de crente”; mas, depois algo estranho acontece. Minutos depois de entrar na igreja esse rapaz com a mão erguida ao alto e chorando resolve “seguir o Caminho” e ser crente como a sua mãe.
Observe o que disse no final do culto um rapaz de calças muito folgadas com um corte de cabelo meio moicano:
- eu vim à igreja só por onda, e pensando: “só caiu nessa de ser crente se quiser”... “Vou fazer uma média com a velha e tal, pra acalmar a barra dela...”, mas o velho[1] lá em cima[2] começou a falar uma coisa que tem a ver com minha vida, umas paradas estranhas[3], e cantou uma música bonita; me arrepiava todinho,cara; tremia também; o coração apertou; tive vergonha do povo do meu lado, mas baixei a cabeça e fui chora na minha, quando fui ver, o lance aí ficou pesadão: comecei a soluçar de tanto chorar e não conseguia me controlar; daí alguém me ajudou pra ir lá pra frente aceitar Jesus, e eu fui na hora.
- o que você vai fazer, a partir de agora? - perguntei
- ah, irmãozinho... Eu vou pra igreja! Naquela hora lá eu encontrei tudo o que eu queria encontrar e não achava em minha vida.[4]

É mesmo natural ver chegar na igreja semblantes tristes jovens desempregados e alguns deles e delas experimentados e experientes em alguma área do campo do mundano como o roupo, a violência, a bebedice, ou da frustração; assim, cada dia mais, a igreja vai crescendo e, por causa disso, o chão também vai ficando um pouco mais molhado de lágrimas daqueles que desabafam e agradecem ou fazem petições. É no meio desse povo que tenho estado.


Nós somos aqueles que passaram por processos acentuados de exclusão social e emocional; somos aqueles que não conseguiram se “dar bem” na vida e se “adaptar” diante das convenções e exigências sócio-comportamentais da sociedade, somos os desequilibrados e os desprezados sem valor, os insatisfeitos que de uma forma consciente ou não, estamos inconformados, somos os que não conseguiram sequer uma pequena vitória nas instâncias da vida, mas que conquistaram derrotas diversas, por isso nos excluirmos do mundo lá fora para dentro da igreja. Somos ainda os detestáveis, feios e indesejáveis, os que vão ser crentes depois de ter “pintado o sete[5]”. Somos tidos como loucos ou idiotas por não temos dinheiro ou “padrinhos” para nos inserir nos processos terapêuticos da psicanálise, do Prozac, da pós-modernidade, da ioga, da acupuntura, do lazer, da família estruturada, do consumo de bens materiais, do sucesso e da auto-afirmação, do bom emprego e do aprazível rol de bons e influentes amigos; por causa disso tudo, adotamos a terapia alternativa da choradeira. A terapia infalível da choradeira consiste em nos reunirmos todos num só lugar e propósito, assumindo uns para os outros nossas fraquezas e pecados, nossa pequenez diante de Cristo: então clamamos loucamente a Deus em adoração até ele ouvir – e não demora muito; abrimos o culto cantando louvores da harpa; começamos a ler uns para o outro, versículos da Bíblia; pregamos e profetizamos uns para o outros partindo desses versículos; cantamos hinos de esperança e perseverança:
- choro na presença de Deus porque não tenho ombro amigo... – diz uma irmãzinha idosa – é verdade mesmo que eu preciso às vezes de um amigo, mas Jesus... Só ele é que me entende.

Depois de um tempo no culto, e insistindo pela fé, em que Jesus está nos ouvindo, choramos pedindo ajuda ao Intangível porque ninguém nesta terra pode ou tem olhado para nós com as mãos estendidas para nos ajudar de alguma forma.
Nesses cultos já vi homens e mulheres desmaiarem de tanto clamar e se humilhar perante Deus numa súplica veemente que ao mesmo tempo me constrange e me emociona pela compreensão de quanto estamos abandonados neste mundo, exceto por Deus que cremos ser nosso Ajudador. É essa última esperança necessária para nos mantermos ainda suportando...



[1] Naquele momento um pastor convidado.
[2] Do púlpito, da tribuna.
[3] Falar em línguas estranhas.
[4] Encontrava.
[5] Todas as práticas ilegais e pecaminosas. ’

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